O sentido do gosto

Um quadrado de chocolate, mínimo 70% de cacau. É o meu pequeno prazer do dia-a-dia. A sensação de bem-estar e a satisfação são imediatas.

Sempre gostei de chocolate. Em pequena só comia o de leite. A doçura extravagante (percebo agora), a textura aveludada e a suave cremosidade eram perfeitas para mim. Mas, com o passar dos anos, aventurei-me e experimentei o preto. Estreei-me nos 50% mínimo de cacau. Depois 60% e, por fim, os tão famosos 70%. Hoje atrevo-me nos 90%, quando a ocasião o pede.

A paixão deu lugar ao amor. Uma relação mais calma, com tempo para degustar. Apura-se a sensibilidade para detectar pequenas nuances e descobrir traços subtis. Aprecio, no seu todo, cada quadrado de chocolate que como.

Porque agora avalio sabores e identifico texturas. Não se resume a um simples ‘gosto’. Aprendi a aprimorar os meus sentidos, sobretudo o paladar e o olfato. Aos poucos, o meu processo de degustação foi evoluindo e crescendo.

Também no mundo das palavras, o meu processo de escrita foi-se desenvolvendo e moldando. As doces composições da escola primária deram lugar a textos mais encorpados. Na faculdade, dei os primeiros passos ‘no rigor e na isenção’ jornalísticos. Quando entrei no mercado de trabalho, explorei temas, áreas e até estilos. À medida que ia provando, a minha escrita interiorizava umas coisas e afastava outras.

Hoje, não me limito a escrever palavras numa folha em branco. O peso e a força que lhes atribuo é calculado com cuidado. A forma como as envolvo é ponderada. Não me chega um mero ‘gosto disto’.

Aprendi a apreciar o chocolate. Aprendi a valorizar as palavras. Porque o sentido do gosto trabalha-se.

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