Instinto
Todos os dias, o mesmo ritual. A minha mãe ficava furiosa. Eu tentava evitar, sem sucesso. Ele ficava todo contente.
Saía de casa e ia directo ao jardim. O seu alvo estava lá, desprotegido e à vista de todos. Quando reparávamos, o Nietzsche já estava com a pata levantada e não havia nada a fazer. A azálea tinha sido atingida.
Os nossos esforços para o afastar foram inglórios. Para desgosto da minha mãe, não conseguimos salvar o arbusto de flores cor-de-rosa. Ao final de algum tempo, acabou por secar, fruto das investidas do patudo.
Porquê aquele ‘ódio de estimação’? A ‘implicância’ do Nietzsche com esta planta em específico deixou-me curiosa. Ele não tinha ‘problemas’ com mais nenhuma. O que me deixou ainda mais intrigada.
Uma breve pesquisa online e resolvi o mistério. Afinal, a bela e perfumada azálea é tóxica para os cães. A ingestão das flores, sobretudo por cachorros, desencadeia sintomas característicos de um quadro de envenenamento.
O Nietzsche ‘sabia’ bem o que estava a fazer. O seu instinto estava certo e ele limitou-se a segui-lo. Fiquei a pensar.
Na escrita também é essencial valorizar o nosso instinto. Quando não soa bem é porque não está bem. Não, não é uma mania nossa. É a voz da experiência, é o nosso sexto sentido.
Sim, bons argumentos e boas técnicas são a base. Mas temos de ouvir o nosso instinto e de conversar com ele. Eu não me arrependo de o fazer.